domingo, 27 de novembro de 2016

A DIVINDADE E HUMILDADE DE CRISTO EM FILIPENSES 2


Por volta do ano de 62, em uma prisão na cidade de Roma, Paulo escreveu uma epístola à igreja da cidade de Filipos. A igreja tinha demonstrado grande cuidado para com ele, além das várias ofertas generosas que fizeram (Filipenses 4:10-20). Talvez por isto a epístola tenha um tom tão alegre, caracterizado principalmente pela frase “Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai- vos” (Filipenses 4:4). Não poderia deixar de faltar também as várias exortações e conselhos dados pelo apóstolo aos cristãos de Filipos.

É em uma destas exortações que se encontra uma das declarações cristológicas mais importantes das Escrituras. Em algumas versões do texto, temos:

"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz." (Filipenses 2:5-8)

Outros textos no entanto trazem o seguinte:

"Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz." (Filipenses 2:5-8)

As duas possíveis traduções têm alimentado várias discussões entre defensores da doutrina da Trindade e aqueles que a criticam. Afinal de contas, Jesus não queria se apegar à igualdade com Deus, ou Jesus não considerou a hipótese de usurpar a igualdade com Deus?

Analisaremos aqui como este texto é uma testemunha importante para a divindade de Cristo, independente de qual forma ele é traduzido. Veremos também como muitos críticos à doutrina da Trindade tentam diminuir a força deste texto.

Como entender a mensagem do texto


Muitas pessoas que negam a divindade de Cristo costumam adotar a tradução onde Jesus não teria considerado a hipótese de usurpar a igualdade com Deus. Isto por que, se Jesus é Deus, ele não precisaria usurpar uma igualdade com Deus. Ele já a teria. Por isto a sua linha de discussão aqui é defender a segunda tradução como tradução válida. Se ela for válida, então ele não precisa entender que o texto declara a divindade de Cristo. E assim, o crítico da doutrina da Trindade busca até tradutores trinitaristas que adotam esta tradução como forma de argumentação.

No entanto, estas pessoas não se dão conta de que mesmo esta tradução estabelece a divindade de Cristo. O fato de que tradutores trinitaristas também a adotam deveria ser um indício para eles de que a tradução não prejudica a doutrina da Trindade.

A variação de tradução do versículo 6 se deve principalmente à palavra ἁρπαγμός. Ela pode significar usurpar ou coisa a se apegar. Os dicionários nos trazem aquilo que é conhecido como significado não afetado de uma palavra, isto é, tudo que uma palavra pode significar. Isto não significa que quando a palavra é usada, ela possa ser substituída por qualquer definição encontrada no dicionário, muito menos que podemos escolher qualquer definição listada ali. O que vai definir o significado de uma palavra, dentre aqueles listados no dicionário, é o contexto. Assim, diante dos significados apresentados para ἁρπαγμός, qual deles de fato se encaixam no contexto?

Tudo irá depender de outra palavra presente no versículo: ὑπάρχω, que é traduzida por “subsistindo”. A palavra é um particípio, e como particípio ela pode estar sendo empregada aqui de duas formas possíveis: ela pode ser um particípio concessivo ou um particípio causal. O particípio concessivo indica que algo é feito “a despeito de” ou “embora” outra coisa aconteça. Neste caso, portanto, ὑπάρχω seria traduzido como “embora subsistindo ...” ou “apesar de existir ...”. O particípio causal, no entanto, informa a causa para que algo aconteça. A tradução de ὑπάρχω neste caso seria “por subsistir ... é que...”[1].

Sendo assim, temos duas traduções possíveis. Se ὑπάρχω for um particípio concessivo, o único significado que podemos escolher para ἁρπαγμός é coisa a se apegar. Nesta situação, Paulo estaria dizendo que Jesus mesmo sendo Deus e tendo o direito a toda glória, não se apegou à sua divindade. Ele abriu mão de toda a honra que lhe era devida para se tornar servo. Houve aqui uma concessão: Jesus se tornou servo mesmo sendo Deus. Esta é a tradução defendida por muitos trinitaristas e que muitos críticos da Trindade negam como válida.

Por outro lado, a segunda opção é possível se ὑπάρχω for um particípio causal. Para este caso, ἁρπαγμός significaria usurpação. E curiosamente aqui vemos o mesmo raciocínio que apresentamos no início desta seção. Paulo estaria dizendo que Jesus não pensou em usurpar a igualdade com Deus. Por quê? Por que ele já subsiste em forma de Deus. Aqui ὑπάρχω nos fornece os motivos para que Jesus não tenha feito esta consideração.

Assim, de uma forma ou de outra, a divindade de Cristo é proclamada por Paulo aqui. Ela pode ser aquilo a que Cristo não quis se apegar ou pode ser o motivo pelo qual Cristo não buscou uma usurpação. Mas será que podemos definir qual das duas traduções é melhor para este texto?

Para isto, precisamos entender melhor o contexto da passagem. Como já foi dito, o versículo 6 faz parte de uma exortação de Paulo aos filipenses. Ele desejava incentivar a unidade entre eles, como podemos ver pelos primeiros versículos:

Portanto, se há alguma exortação em Cristo, se alguma consolação de amor, se alguma comunhão do Espírito, se alguns entranháveis afetos e compaixões, completai o meu gozo, para que tenhais o mesmo modo de pensar, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, pensando a mesma coisa; nada façais por contenda ou por vanglória, mas com humildade cada um considere os outros superiores a si mesmo; não olhe cada um somente para o que é seu, mas cada qual também para o que é dos outros. (Filipenses 2:1-4)

É um problema muito comum de nossos dias a questão dos “direitos iguais”. Todos nós queremos exigir nossos direitos sem nos preocupar com nossos deveres. E sempre que vemos algum semelhante sendo beneficiado de alguma forma, nós protestamos com base em nossa igualdade. “Somos todos iguais, temos que ter mesmos direitos!” É muito fácil perceber como este tipo de sentimento pode causar divisões em qualquer meio.

Provavelmente por isto Paulo faz esta exortação aqui. Nós todos somos salvos da mesma forma, somos todos igualmente irmãos e igualmente filhos adotivos de Deus. Mas não devemos nos apegar a esta igualdade na igreja, devemos considerar cada irmão superior a nós mesmos (versículo 4).

Este foi o mesmo sentimento que Jesus teve antes da Encarnação. Ele e o Pai eram iguais. Mas Cristo não se apegou a esta igualdade, exigindo seus direitos como muitos hoje em dia fazem. Ele se esvaziou e se tornou servo e obediente, ele considerou o Pai como superior. Há aqui um claro paralelo entre o que Cristo fez e o que Paulo gostaria que os filipenses fizessem. Se Jesus em nenhum momento foi igual ao Pai, então o paralelo criado por Paulo não serve como exemplo para o que está sendo discutido aqui.

É interessante como aqui uma simples letra faz uma enorme diferença no texto. O versículo 7 diz que Jesus se (εαυτον) esvaziou. Se a palavra usada fosse αυτον (ele), poderíamos entender que foi o Pai quem esvaziou o Filho. Mas o que Paulo diz para nós é que isto foi uma opção do próprio Cristo: ele se esvaziou de sua própria vontade, o que combina muito bem com uma exortação à humildade. Muitos críticos da Trindade também serão obrigados aqui a refletir melhor sobre a ênfase que possam dar a “o Filho de si mesmo nada pode fazer” de João 5:19: se ele não pode fazer nada de si mesmo, como ele pôde então se esvaziar? Não é melhor entender João 5:19 à luz de sua humilhação do que entendê-lo como uma declaração de inferioridade?

Temos aqui portanto uma exortação à humildade. É por este motivo que a tradução “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”, embora possível, não poderia ser aplicada a este texto. Se considerássemos que Cristo é uma criatura, como muitos críticos da Trindade tentam alegar aqui, então não usurpar a igualdade com Deus seria um exemplo de obediência, não de humildade. De qualquer forma, nenhuma das sugestões apresentadas pelos críticos consegue se encaixar neste texto.

Negando a mensagem do texto


Há várias formas usadas pelos críticos da doutrina da Trindade, para diminuir o testemunho deste texto. Todos eles estão relacionados com a variedade de significados que as palavras presentes no texto podem ter.

A primeira palavra discutida é μορφή, que é traduzida por forma. O que é a forma de Deus? Alguns chamam a atenção para o fato de que a forma é muitas vezes aplicada à aparência física, como temos em Marcos 16:12:

Depois disso manifestou-se sob outra forma a dois deles que iam de caminho para o campo, (Marcos 16:12)

Também temos a mesma palavra aplicada a estátuas (como por exemplo em A vida de Flávio Josefo, 65), forma corporal (Jó 4:16 na LXX), aparições em visões (como em Antiguidades Judaicas de Flávio Josefo, 5, 213). Na filosofia, a palavra forma tinha amplo uso, e estava relacionado com a essência das coisas, como nos informa N.R. Champlin:

1. Nos escritos de Platão, a palavra grega eidos é um possível sinônimo para os universais (vide). Nesse caso, «forma», «ideia» e «universais» seriam meros sinônimos. Oferecemos um extenso artigo sobre os universais. A forma ou universal é aquela entidade perfeita, eterna e imutável, copiada pelos particulares, ou seja, pelos objetos e entidades terrenos, mas que encontram consubstanciação na realidade dos universais.
[...]
3. Aristóteles, em seu realismo moderado (o universal ou forma seria a realidade), não distinguia a forma do particular, exceto no caso de Deus, o Impulsionador Inabalável. Tudo o mais seria movido 
por esse impulsionador. Em um outro sentido, a palavra «forma» é usada para indicar o fator 
determinante intrínseco de qualquer ser. Quanto aos seres materiais, a forma é aquilo que especifica e determina as espécies diferentes. A forma seria mais real do que a matéria; mas, no caso dos objetos físicos, a forma não pode existir por si mesma, separada da matéria, pelo que seria menos real do que as substâncias individuais [2].

Com uma gama tão variada de significados, qual seria o melhor significado para forma aqui? É interessante observar que forma no versículo está sendo modificado por Deus. Seria adequado falar de uma aparência de Deus aqui?

Considerando que ὑπάρχω seja causal, temos que é por Jesus possuir a forma de Deus, que ele não buscou uma igualdade com Deus. Assim, para a tradução preferida dos críticos da doutrina da Trindade fazer sentido, o próprio fato de possuir a forma de Deus já confere a Cristo a igualdade com Deus. Dificilmente esta igualdade poderia ser obtida pelo simples fato de se ter uma “aparência de Deus”. Mas é muito simples perceber como ter essência divina confere esta mesma igualdade. O mesmo pode ser dito da primeira tradução: embora tendo a essência divina, Jesus não se apegou a ela. Traduzir forma por aparência aqui não faria muito sentido. Robertson faz aqui uma boa explicação da palavra:

Morphē significa os atributos essenciais como mostrado na forma. Em seu estado pré-encarnado, Cristo possuía os atributos de Deus e assim apareceu àqueles no céu que o viram. Aqui há uma clara declaração da deidade de Cristo por Paulo [3].

A segunda palavra discutida é ὑπάρχω. Alguns dicionários listam esta palavra como significando “começar, nascer, ser o iniciador, dar início”[4]. A conclusão aqui é que Jesus em algum momento passou a existir na forma de Deus. Para entendermos melhor como esta tradução não é possível, vamos verificar a importância do tempo verbal para um particípio, segundo Daniel B. Wallace:

O tempo da natureza verbal do particípio requer cuidadosa consideração. Em geral, os tempos se comportam da mesma forma que no indicativo. A única diferença é que agora o ponto de referência é o verbo principal, não o emissor. Assim, o tempo nos particípios é relativo (ou dependente), enquanto no indicativo, absoluto (ou independente). 
O particípio aoristo normalmente denota um tempo antecedente ao verbo principal. Mas se o verbo principal também for aoristo, esse particípio indicará tempo simultâneo. O particípio perfeito também indica tempo anterior. O particípio presente é usado durante o tempo simultâneo (Essa simultaneidade, porém, é frequentemente concebida, dependendo em particular do tempo do verbo principal). O particípio futuro denota tempo subsequente[5].

A palavra ὑπάρχω é um particípio presente, e como vimos, o particípio presente ocorre simultaneamente à ação do verbo principal, que no nosso caso é considerou. E ninguém poderia considerar alguma coisa ao mesmo tempo que nasce ou é criado.

Por outro lado, novamente empregando esta tradução em nosso contexto, dificilmente o fato de se nascer com aparência de Deus forneceria um motivo para não se usurpar a igualdade com Deus.

A terceira palavra discutida aqui é ἁρπαγμός, que já foi analisada quando explicamos a mensagem do texto, acima.

Percebe-se aqui que embora os críticos da doutrina da Trindade sugiram muitas formas diferentes de se traduzir estas palavras, obviamente eles não empregam estas sugestões dentro do contexto de Filipenses 2. Segundo eles, qual a mensagem que este texto nos transmite? Eles não conseguem empregar suas sugestões e ao mesmo tempo mostrar como este texto nos ensina a humildade. O texto é totalmente desfigurado simplesmente para se evitar que o texto considere Jesus como igual a Deus.

Conclusão


O texto de Filipenses 2 nos fornece uma grande exortação à humildade. Somos incentivados pelo próprio exemplo de nosso Senhor que, tendo direito a toda honra e toda glória, abriu mão disto para servir ao Pai e conseguir para nós a Salvação. Se o próprio Cristo fez tudo isto, por que não podemos fazer o mesmo?

Diante de tão maravilhosa mensagem, temos o primeiro exercício de humildade diante de nós, ao aceitarmos a mensagem do texto, não tentando impor nossos próprios conceitos sobre ela.

por Gustavo
Fonte: www.e-cristianismo.com.br

Notas

1. Mais sobre os particípios causais e concessivos pode ser lido em Wallace, Daniel B., Gramática Grega, Uma sintaxe exegética do Novo Testamento (Editora EBR), pág. 631, 632, 634 e 635.

2. N.R. Champlin, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (Editora Hagnos), Volume 2, página 805.

3. A. T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, comentário de Filipenses 2:6.

4. Tais definições podem ser encontradas em Isidóro Pereira, S. J., Dicionário Grego-Português e Português-Grego, 5ª Edição; e no o Dicionário Grego do Novo Testamento de James Strong, anotado pela AMG, que faz parte do apêndice da Bíblia de Estudo Palavras-Chave Hebraico e Grego - Edições CPAD – 2011, pág. 2436.

5. Wallace, Daniel B., Gramática Grega, Uma sintaxe exegética do Novo Testamento (Editora EBR), pág. 614

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

YEHOSHUA OU JESUS?


Tem sido espalhado um panfleto que acusa o catolicismo (o Papa) de haver mudado o nome do Salvador YEHOSHUA para JESUS. Este último seria um deus pagão ou o Deus CAVALO. A alegação é totalmente falsa, pois após o exílio babilônico (587-538 a.C.) os judeus mesmos preferiram usar a forma breve JESHUA para designar os heróis do Antigo Testamento chamados YEHOSHUA: assim o sucessor de Moisés, que em português é dito Josué; assim também o Sumo Sacerdote que acompanhou Zorobabel na volta do exílio... Ora da forma hebraica JESHUA fez-se a grega IESOUS e a latina IESUS. Em tal procedimento não tomou parte a Igreja Católica. Tem-se propagado um panfleto intitulado “O NOME SAGRADO”, que alega ter sido ilicitamente trocado o nome de YEHOSHUA por JESUS, nome de uma divindade pagã.
A seguir, exporemos a tese do panfleto e procuraremos mostrar como é falsa.

1. O conteúdo do panfleto

Logo na primeira página lê-se:
"O vocábulo Jesus não se deriva de Yehoshua.
Fica portanto provado que a sacrílega mudança do nome sagrado de Yehoshua para Jesus é a maior fraude teológica desde que o mundo foi criado até hoje".

Na página 3 volta a acusação:
"Prezado amigo, há quase 1600 anos estávamos sendo enganados a respeito do Sagrado e Eterno Nome do nosso Salvador. Quase toda a humanidade crê que Jesus Cristo é o seu verdadeiro nome. Isto é a maior mentira que Satanás conseguiu introduzir na mente das pessoas. Veja você, este nome não é de origem hebraica, mas sim grega (IESOUS), latinizado para Jesus e posteriormente transformado em Jesus".

O panfleto propõe a seguinte etimologia:
"O nome de Jesus é de origem pagã e significa DEUS-CAVALO
(hebraico Ye = Deus e Sus = cavalo). E cavalo é igual a Besta
.

O mundo inteiro adora a "Besta" pensando estar adorando o Cordeiro de Deus. Vejam a assustadora matemática:

IESVS CHRISTVS FILII DEI
1 + 5 + 100 + 1 + 5 + 1 + 50 + 2 + 500 + 1 = 666

Não está você também, sem saber, adorando a BESTA?"

Dito isto, o autor do panfleto procura a causa do alegado fato:

"Quem adulterou e continua adulterando a verdade criminosamente? Porventura somos nós, uma minoria perseguida e odiada por todos por seu verdadeiro NOME? Poucos sabem que os exemplares da Bíblia que dispomos são traduções feitas a partir da Vulgata Latina e que no ano de 383 de nossa era um monge de nome Jerônimo, fiel cumpridor das ordens do Papa Dâmaso, da Igreja Católica romana, foi obrigado a fazer acréscimos, mudanças e correções - veja introdução à Bíblia - ed. Vozes".
"O nome de Jesus foi dado por Roma".

Refutação:

2. Que dizer?

Proporemos três observações.

2.1. O nome

O debate versa sobre um nome que ocorre não raro no Antigo Testamento sob duas formas: Yehoshua, modalidade anterior ao exílio (587-538 a.C.) e Yeshua, após o exílio. Por exemplo, o sumo sacerdote Jesus, filho de Josedec e companheiro de Zorobabel na restauração de Jerusalém, é mencionado como Yehoshua pelos profetas Ageu e Malaquias, e como Yeshua nos livros de Esdras e Neemias. Ainda: o nome de Josué, filho de Nun, é mencionado como Yehoshua nos livros do Êxodo, dos Números, do Deuteronômio, de Josué e dos Juízes, e como Yeshua em Neemias 8, 17.

A tradução grega do Antigo Testamento dita "dos LXX" usou a forma grega lesous proveniente de Yeshua. Isto explica que os autores do Novo Testamento, escrevendo em grego, tenham usado a forma lesous para designar o Salvador da humanidade.

Os manuscritos do Novo Testamento, desde os mais antigos, têm todos, e tão somente, a forma lesous, não há indício algum de mudança de nome do Salvador no século IV.

Vê-se assim quão infundadas são as alegações do panfleto, publicado pela Congregação das Testemunhas de Yehoshua. Além do mais, contêm incoerências e erros, que passamos a apontar.

2.2. Incoerências e Erros

O autor do panfleto afirma que o nome JESUS tem origem grega e pagã, mas vai buscar sua etimologia na língua hebraica, concluindo que significa "Deus Cavalo".

Essa etimologia é questionável, pois YE pode ser a abreviatura de [YAHWÉH], não, porém, a de ELOHIM (DEUS). A equação IESUS CHRISTUS FILII DEI = 666 não tem sentido, pois quer dizer JESUS CRISTO DO FILHO DE DEUS - o que nada significa; deveria ser IESUS CHRISTUS FILIUS DEI (JESUS CRISTO, O FILHO DE DEUS) - o que não dá o total 666. Na verdade ninguém adora a Besta quando adora Jesus Cristo.

2.3. São Jerônimo e a Bíblia

O autor insinua que foi Jerônimo, por ordem do Papa Dâmaso, quem alterou o nome do Salvador. Ora é de notar que Jerônimo é responsável apenas pelo texto latino da Bíblia, não pelo texto grego. Se, ao traduzir o texto sagrado para o latim, usou de certa liberdade (liberdade que compete ao tradutor se ele a julga necessária para dar maior clareza ao texto), nunca o fez de modo a descaracterizar o texto sagrado, alterando o seu sentido. É absolutamente falso dizer que o texto bíblico vernáculo é tradução da Vulgata Latina; temos várias traduções diretas dos originais gregos e hebraico, munidas de notas de rodapé que explicam os versículos mais difíceis.

3. Conclusão

O nome JESUS vem do hebraico YESHUA; não é devido a alguma modificação do texto bíblico. Significa YAHWÉH SALVA, e não DEUS CAVALO. Mais uma vez se evidencia como são superficiais ou mesmo tendenciosas as críticas de [falsos mestres] aos católicos; dir-se-ia que lhes interessa mais denegrir e combater a igreja católica do que procurar, de fato, a Verdade. Com panfletos de linguagem mal redigida e erros de português investem contra a Verdade. Será por amor a Cristo? As observações filológicas deste artigo foram extraídas do verbete lesous da autoria de Willhelm Foerster publicado no Grande Lessico del Nuovo Testamento organizado por G. Kittel e G. Friedrich, vol. IV, pp. 909-934.

MAIS UMA...

A Igreja Betel Remanescente tem propagado um panfleto que também tenta explanar o nome de JESUS. Eis os seus principais dizeres (sem retoques de grafia):


"EXPULSE O PAGANISMO DE SUA VIDA

A origem do nome do pai e do filho, é Emanuel Isaías 7:14; 8:8 Mateus 1:23.

Antigamente o nome não era Jesus Cristo e sim ZESVS CRISTVS, tendo ligação com Zeus, ou Júpiter para os romanos. Os gregos escreveram o nome IESOUS, que também foi formado por duas divindades pagãs: IO mais ZEUS = IO a amada de ZEUS. Porque tanto paganismo? Os bispos "romanos" fizeram isso para agradar os pagãos atraí-los para a "igreja de Roma". Sem falar que o famoso nome de Jesus em hebraico tem um significado blasfemo: Je = (Ye) = Deus e a palavra SUS = "cavalo", assim forma a palavra: Deus é cavalo. Lembre; Está escrito: "Foi-lhe dada boca que proferia arrogâncias e blasfêmias... E abriu a boca... para lhe difamar o NOME..." (Ap 13:5-6). ... Perguntamos: Qual é o "nome" adorado por todos, tanto católicos romanos, evangélicos, espíritas, pentecostais, saravás, etc...? Todos a uma voz invocam o falso nome, o nome Jesus que teve origem em deuses pagãos, agora se você for uma alma sincera leia na sua Bíblia Êxodo 23:13 e decida. Qual deles? O NOME SAGRADO EMANUEL, ou o "nome de outros deuses" contidos no nome de Jesus?"

Que dizer?

Para tais alegações vale a resposta já atrás explanada. O argumento decisivo é o dos manuscritos bíblicos e não bíblicos da antiguidade; nenhum dá margem às etimologias dos que ousam deturpar a Verdade. O nome JESUS é a forma aportuguesada correspondente ao nome hebraico YESHUA do Salvador. Os polemistas lançam muita areia nos olhos dos leitores desprevenidos, embora falem sem provar o que dizem, ou em total ignorância da matéria abordada.



Fonte: www.fimdafarsa.blogspot.com.br

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

“Livre-arbítrio” - Um guia para iniciantes


Antes da queda de Adão, o homem era sem pecado e capaz de não pecar. Pois, “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1.31). Mas o homem também era capaz de pecar. Porque Deus disse: “no dia em que dela [da árvore] comeres, certamente morrerás”(Gênesis 2.17).

Assim que Adão caiu em pecado, a natureza humana foi profundamente alterada. Agora o homem era incapaz de não pecar. Na queda, a natureza humana perdeu a sua liberdade para não pecar.

Por que o homem é incapaz de não pecar? Porque após a queda “o que é nascido da carne é carne” (João 3.6), e “a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus; na verdade, ela não pode ser, e aqueles que estão na carne não podem agradar a Deus”(Romanos 8.7-8, tradução minha). Ou, como Paulo diz em 1Coríntios 2.14: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”.

Observe o termo não pode que aparece duas vezes em Romanos 8.7-8 e outra vez em 1Coríntios 2.14. Esta é a natureza de todos os seres humanos quando nascemos — o que Paulo chama de “homem natural”, e Jesus chama de “nascido da carne”.

Rebelde demais para se submeter a Deus

Paulo diz que isso significa que nesta condição nós “não podemos agradar a Deus”, ou, dito de outra forma, “não somos capazes de não pecar”. A razão básica é que o homem natural prefere a sua própria autonomia e sua própria glória acima da soberania e da glória de Deus. Isto é o que Paulo intenciona quando diz: “a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita…”.

A submissão alegre à autoridade de Deus, e ao superior valor e beleza de Deus, é algo que não somos capazes de fazer. Isto não acontece porque somos impedidos de fazer o que gostaríamos. É porque nós preferimos a nossa própria autoridade, e estimamos o nosso próprio valor, acima de Deus. Não podemos preferir a Deus como extremamente valioso enquanto preferimos supremamente a nós mesmos.

A razão para esta preferência idólatra é que somos moralmente cegos para a glória de Cristo, de modo que não podemos valorizar a sua glória como superior à nossa. Satanás está empenhado para nos confirmar nesta preferência ofuscante. “O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo”(2Coríntios 4.4). Assim, quando o homem natural olha para a glória de Deus, seja na natureza ou no evangelho, ele não vê beleza e valor supremos.

Para crermos, nós precisamos ver beleza

Esta é a razão fundamental pela qual o homem natural não pode crer em Cristo. Crer não é apenas afirmar a verdade sobre Jesus, mas também é ver a beleza e o valor de Jesus, de tal maneira que nós o recebemos como nosso tesouro supremo. A forma como Jesus expressou isso foi dizer: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim”(Mateus 10.37). Não existe uma relação salvífica com Jesus onde a fé não consiste em valorizar Jesus acima de seus mais queridos tesouros terrenos.

Onde esse despertamento para a glória e valor supremos de Jesus (chamado de “novo nascimento”) não aconteceu, o coração humano caído é incapaz de crer em Jesus. É por isso que Jesus disse aos que se opunham a ele: “Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único?” (João 5.44). Em outras palavras, você não pode crer em Jesus, enquanto você tem maior estima pela glória humana do que pela dele. Pois, crer é exatamente o oposto. Crer em Jesus significa recebê-lo como supremamente glorioso e valioso (João 1.12).

É por isso que o homem natural não pode agradar a Deus. Pois, ele não pode crer em Deus desta maneira. Ele não pode receber a Deus e seu Filho como extremamente valiosos. Mas a Bíblia diz: “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hebreus 11.6). Ou, como Paulo diz, ainda mais enfaticamente, em Romanos 14.23: “tudo o que não provém de fé é pecado”.

A grande renovação por meio de Cristo

Portanto, a dura realidade é que os seres humanos, como nós nascemos — com uma comum natureza humana caída — não somos capazes de não pecar. Somos, como Paulo e Jesus afirmam: “escravos do pecado” (João 8.34; Romanos 6.20). O remédio para esta condição é a livre e soberana graça de Deus operando uma mudança na essência de nossa natureza caída.

Esta mudança miraculosa, comprada pelo sangue, operada pelo Espírito a partir da qual nós percebemos e preferimos é descrita de diversas formas no Novo Testamento. Por exemplo:

Deus iluminando nossos corações: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo”(2Coríntios 4.6).

Deus fazendo com que nasçamos de novo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos”(1Pedro 1.3).

Deus nos ressuscitando dentre os mortos: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo”(Efésios 2.4-5).

O dom divino do arrependimento: “que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade”(2Timóteo 2.25-26).

O dom divino da fé: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele”(Filipenses 1.29).

O efeito dessa mudança miraculosa, operada Espírito é que nós já não somos cegos para a beleza e glória supremas de Cristo; já não preferimos a nossa própria autonomia em vez do governo soberano de Deus; já não amamos a criação de Deus mais do que o Criador; apegamo-nos a Cristo como extremamente valioso; nós confiamos em suas promessas; somos libertos da nossa escravidão à incredulidade e ao pecado, e finalmente, somos capazes de não pecar. “Porque o pecado não terá domínio sobre vós” (Romanos 6.14).

Uma definição de “livre-arbítrio”

Agora, onde o “livre-arbítrio” se encaixa nesta descrição bíblica da nossa condição no mundo?

Para responder a essa pergunta, precisamos de uma definição clara de “livre-arbítrio”. Pode ser útil oferecer três definições: Uma a partir do uso popular, uma a partir do uso bíblico comum e uma proveniente de uma discussão mais técnica.

Uma definição popular

Popularmente, o que a maioria das pessoas querem dizer quando perguntam sobre o livre-arbítrio? Eu penso que a maioria das pessoas quer dizer algo como isto: A nossa vontade é livre se as nossas preferências e nossas escolhas são realmente nossas, de tal forma que possamos ser justamente considerados responsáveis, sejam elas boas ou más. O oposto seria que as nossas preferências e escolhas não são nossas, mas que somos robôs ou fantoches não possuindo quaisquer atos significativos de preferência ou escolha.

Por essa definição, o livre-arbítrio existe tanto em seres humanos caídos quanto nos redimidos. Pois, o que a queda provocou não foi que deixamos de ser pessoas autênticas que preferem e escolhem, mas que a nossa rebelião nos inclina a preferir e escolher o mal. Todos preferem e escolhem de acordo com a sua natureza. Se a natureza é rebelde e insubordinada, como Paulo descreve em Romanos 8.7-8, nós preferimos e escolhemos de acordo com isso. Se a nossa natureza for libertada da rebelião, ela começa a preferir e escolher o que é verdadeiramente belo. Em ambos os casos, a nossa preferência e escolha é “nossa”, e somos “responsáveis” sejam elas boas ou más.

Uma definição bíblica

A segunda definição de livre-arbítrio, expressa na linguagem de Jesus e Paulo, é esta: A vontade humana é livre quando não está sob a escravidão de preferir e escolher irracionalmente. Ela é livre quando é libertada de preferir o que é infinitamente menos preferível do que Deus e de escolher o que levará à destruição. O oposto dessa visão seria que tais preferências e escolhas irracionais e suicidas devem ser chamadas de “liberdade”.

Com base nesta definição, somente aqueles que nasceram de novo têm livre-arbítrio. Esta é a forma que Jesus definiu a noção de liberdade em João 8.32: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E esta é a maneira como Paulo fala sobre liberdade em Romanos 6: “Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e, uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça” (Romanos 6.17-18).

Uma definição técnica

A definição mais técnica de livre-arbítrio que algumas pessoas usam é esta: Nós temos livre-arbítrio, se em última instância ou decisivamente nos autodeterminamos, e as únicas preferências e escolhas pelas quais podemos ser responsabilizados são aqueles nas quais, finalmente ou decisivamente, nos autodeterminamos. A palavra-chave aqui é finalmente ou decisivamente. A questão não é apenas que as escolhas são autodeterminadas, mas que o eu é o final ou decisivo determinador de si mesmo. O oposto desta definição seria que Deus é o único ser que, em última análise, determina a si mesmo, e ele mesmo é, finalmente, o ordenador de todas as coisas, incluindo todas as escolhas, embora existam muitas ou diversas outras causas intervenientes.

Nesta definição, nenhum ser humano tem livre-arbítrio, em tempo algum. Em última análise, nem antes ou após a queda, ou no céu, as criaturas determinam a si mesmas. Há grandes níveis de autodeterminação, como a Bíblia evidencia frequentemente, mas o homem nunca é a causa final ou decisiva de suas preferências e escolhas. Quando a agência do homem e a agência de Deus são comparadas, ambas são reais, mas a de Deus é decisiva. Todavia — e aqui está o mistério que faz com que muitos tropecem — Deus é sempre decisivo de tal forma que a agência do homem é real, e a sua responsabilidade permanece.

Mas, isso não é inconcebível?

Eu digo que muitos tropeçam nisso porque eles o consideram como inconcebível. A minha perspectiva é que a Bíblia ensina a compatibilidade entre a decisiva soberania de Deus e a responsabilidade do homem. Se isso parece inconcebível para você, eu pediria que você não permita que isso o impeça de crer no que a Bíblia ensina.

Mas pode ser útil fazer uma tentativa de ajudar a dar sentido a isso. Os atos de uma pessoa podem ser justamente considerados louváveis ou condenáveis se eles fluem de uma natureza boa ou má que o inclina a apenas um caminho?

Aqui está parte da resposta de João Calvino a essa objeção:

A bondade de Deus é tão entrelaçada à sua divindade, que não é mais necessário ser Deus do que ser bom; enquanto que o diabo, por sua queda, tanto se alienou da bondade que nada pode fazer, senão o mal.

Se alguém mencionar a zombaria profana de que pouco louvor é devido a Deus por uma bondade a que ele é compelido, não é óbvio que cada homem responda: “Não é devido à forçosa compulsão, mas à sua bondade infinita, que ele não pode fazer o mal”?

Portanto, se o livre-arbítrio de Deus em fazer o bem não é impedido porque ele necessariamente deve fazer o bem; e se o diabo, que nada pode fazer, senão o mal, mesmo assim peca voluntariamente; pode ser dito que o homem peca menos voluntariamente, porque ele está sob uma necessidade de pecar? (Institutas, II.3.5).

Muito mais poderia ser dito. Questionamentos não faltam. Meu apelo é que você se concentre no verdadeiro ensino das Escrituras. Tente não levar pressupostos filosóficos ao texto (pressupostos como: a responsabilidade humana não pode coexistir com Deus decisivamente fazer “todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”, Efésios 1.11). Deixe que a Bíblia fale plena e profundamente. Confie que um dia não veremos em espelho, obscuramente, mas face a face (1Coríntios 13.12).

por John Piper
Fonte: MinisterioFiel.com.br
Por: John Piper. © 2016 Desiring God. Original: A Beginner’s Guide to ‘Free Will’
Tradução: Camila Rebeca Almeida. Revisão: William Teixeira. © 2016 Ministério Fiel.

domingo, 6 de novembro de 2016

O Problema do Mal - Vincent Cheung


Uma das objeções mais populares, porém superestimada, contra o Cristianismo, é o assim chamado “problema do mal”. A objeção reivindica que, o que o Cristianismo afirma sobre Deus é logicamente irreconciliável com a existência do mal. Aqueles que fazem esta objeção reivindicam que eles sabem, com certeza, que o mal existe, e, visto que isto é incompatível com o Deus cristão, então segue-se que não há Deus, ou isto mostra, no mínimo, que o que o Cristianismo afirma sobre Deus é falso.

Usando o problema do mal, os incrédulos têm conseguido confundir muitos cristãos professos, e parece que muitos daqueles que reivindicam ser cristãos estão, eles mesmos, perturbados pela existência do mal, ou pela quantia de mal neste mundo. Alguns crentes conseguem fornecer respostas plausíveis que não são totalmente convincentes, enquanto muitos outros simplesmente chamam a existência do mal de um mistério. Contudo, até onde a Escritura trata do assunto, visto que que algo foi revelado, os cristãos não têm o direito de chamá-lo de um mistério no sentido de algo que está oculto. Simplesmente porque não podemos entender tudo sobre a existência do mal, não significa que devemos ignorar o que a Escritura claramente revela sobre ele.

Por outro lado, as respostas meramente plausíveis são insuficientes quando a Bíblia fornece uma resposta infalível e uma defesa invencível. No que se segue, veremos que a existência do mal não apresenta nenhum desafio ao conceito cristão de Deus, ou a qualquer aspecto do Cristianismo. Na verdade, são as cosmovisões não-cristãs que não podem fazer sentido da existência do mal, se é que elas podem ter um conceito do mal.

O PROBLEMA

Os cristãos afirmam que Deus é onipotente (todo-poderoso) e onibenevolente (todo-amoroso). Nossos oponentes argumentam que, se Deus é todo-poderoso, então Ele possui a capacidade de acabar com o mal, e se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com o mal;[1] contudo, visto que o mal ainda existe, isto significa que Deus não existe, ou pelo menos significa que as coisas que os cristãos afirmam sobre Ele são falsas. Isto é, mesmo que Deus exista, visto que o mal também existe, Ele não pode ser tanto todo-poderoso como todo-amoroso, mas os cristãos insistem que Ele é tanto todo-poderoso como todo-amoroso; portanto, o Cristianismo deve ser falso.

Aqueles que usam este argumento contra o Cristianismo podem formulá-lo de maneiras diferentes, mas, a despeito da forma precisa em que o argumento é tomado, o ponto é que os cristãos não podem afirmar todos os atributos divinos, pois assim fazer seria logicamente incompatível com o problema do mal. E se este é o caso, então, o Cristianismo é falso. Embora os cristãos tenham agonizado com este assim chamado “problema do mal” por séculos, o argumento é extremamente fácil de refutar; ele é uma das objeções mais estúpidas que já vi, e mesmo como criança eu o consideraria um argumento tolo. Muitas pessoas têm inquietações com a existência do mal, não porque o mesmo possua qualquer desafio lógico ao Cristianismo, mas porque eles são sobrepujados pelas emoções que o assunto gera, e estas fortes emoções desqualificam efetivamente o nível mínimo de julgamento e inteligência que eles normalmente exibem.

Agora, visto que os oponentes do Cristianismo reivindicam que o problema do mal é um argumento lógico contra o Cristianismo, em resposta precisamos somente mostrar que a existência do mal não contradiz logicamente o que o Cristianismo ensina sobre Deus. Embora a Escritura também responda suficientemente aos aspectos emocionais deste assunto, não é nossa responsabilidade apresentar e defender estas respostas dentro do contexto do debate lógico. De fato, os problemas emocionais que as pessoas têm com a existência do mal e sua falta de respostas a estes problemas são totalmente consistentes com o que a Escritura ensina. Assim, nos focaremos em responder à existência do mal como um desafio lógico.

LIVRE-ARBÍTRIO

Muitos cristãos favorecem a “defesa do livre-arbítrio” ao responder o problema do mal. No contexto das narrativas bíblicas, esta abordagem declara que, quando Deus criou o homem, Ele lhe concedeu o livre-arbítrio — um poder para fazer decisões independentes, até mesmo se rebelar contra o seu Criador. Certamente Deus estava ciente de que o homem pecaria, mas este foi o preço de conceder ao homem o livre-arbítrio. Ao criar o homem com o livre-arbítrio, Deus também criou o potencial para o mal, mas, até onde a defesa do livre-arbítrio vai, visto que o homem é verdadeiramente livre, a culpa da realização deste potencial para o mal pode ser lançada somente sobre o próprio homem. Aqueles que usam a defesa do livre-arbítrio adicionariam que o potencial ou até mesmo a realização do mal não é um preço tão alto para se conceder ao homem um livre-arbítrio genuíno.

Embora muitos cristãos professos usem a defesa do livre-arbítrio, e a algumas pessoas a explicação possa parecer razoável, esta é uma teodicéia irracional e anti-bíblica — ela falha em responder o problema do mal, e contradiz a Escritura. Primeiro, esta abordagem somente rejeita o tratamento do problema, visto que transforma o debate de porque o mal existe no universo de Deus para porque Deus criou um universo com o potencial para tão grande mal. Segundo, os cristãos afirmam que Deus é onisciente, de forma que Ele não criou o universo e a humanidade apenas estando ciente de que eles tinham o potencial para se tornarem maus; antes, Ele sabia com certeza que eles se tornariam maus. Assim, seja diretamente ou indiretamente, Deus criou o mal.[2]

Nós podemos distinguir entre mal natural e mal moral — mal natural inclui desastres naturais tais como terremotos e enchentes, enquanto que o mal moral refere-se às ações ímpias que as criaturas racionais cometem. Agora, mesmo se a defesa do livre-arbítrio fornecer uma explanação satisfatória para o mal moral, ela falha em tratar adequadamente o mal natural. Alguns cristãos podem reivindicar que é o mal moral que leva ao mal natural; contudo, somente Deus tem o poder para criar uma relação entre os dois, visto que os terremotos e as enchentes não têm relações necessárias com os assassinatos e roubos, a menos que Deus o faça — isto é, a menos que Deus decida causar terremotos e enchentes por causa dos assassinatos e roubos cometidos pelas Suas criaturas. Assim, Deus novamente parece ser a causa última do mal, seja natural ou moral.

Mesmo se o pecado de Adão tivesse trazido morte e decadência, não somente à humanidade, mas também aos animais, a Escritura insiste que nenhum pardal pode morrer aparte da vontade de Deus (Mateus 10:29). Isto é, se há qualquer relação entre o mal moral e o mal natural, a relação não é inseparável (como se algo fosse inseparável aparte da vontade de Deus), mas, antes, é soberanamente imposta por Deus. Mesmo o aparentemente insignificante não pode ocorrer sem, não meramente a permissão, a vontade ativa e o decreto de Deus. Os cristãos não são deístas — nós não cremos que este universo funciona por uma série de leis naturais que são independentes de Deus. A Bíblia nos mostra que Deus está agora ativamente administrando o universo, de forma que nada pode acontecer ou continuar a existir aparte do poder ativo e do decreto de Deus (Colossenses 1:17; Hebreus 1:3). Se devemos usar o termo de alguma forma, o que chamamos “leis naturais” são somente descrições de como Deus age regularmente, embora Ele não esteja, de forma alguma, obrigado a agir dessa maneira.

Os cristãos devem rejeitar a defesa do livre-arbítrio simplesmente porque a Escritura rejeita o livre-arbítrio; antes, a Escritura ensina que Deus é o único que possui livre-arbítrio. Ele diz em Isaías 46:10, “O meu conselho subsistirá, e farei toda a minha vontade”. Por outro lado, a vontade do homem é sempre escrava, ou do pecado ou da justiça: “Mas graças a Deus que, embora tendo sido escravos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E libertos do pecado, fostes feitos escravos da justiça” (Romanos 6:17-18). O livre-arbítrio não existe — ele é um conceito assumido por muitos cristãos professos sem uma garantia bíblica.

Outra suposição popular é que a capacidade moral é o pré-requisito de responsabilidade moral. Em outras palavras, a suposição é que, se uma pessoa é incapaz de obedecer às leis de Deus, então, ela não pode ser moralmente responsável de responder a estas leis, e, portanto, Deus não poderia e não os puniria por desobedecer estas leis. Contudo, assim como a suposição de que o homem tem livre-arbítrio, esta suposição de que a responsabilidade moral pressupõe a capacidade moral é também anti-bíblica e injustificável.

Com referência aos incrédulos, Paulo escreve, “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser” (Romanos 8:7). Se é verdade que a responsabilidade moral pressupõe a capacidade moral, e Paulo declara que o pecador carece desta capacidade, então, segue-se que nenhum pecador é responsável por seus pecados. Isto é, se um pecador é apenas um pecador, se ele tem a capacidade de obedecer, mas se recusa a obedecer, e, visto que Paulo diz que o pecador realmente carece da capacidade para obedecer, então, segue-se que um pecador não é um pecador. Contudo, isto é uma contradição, e é uma contradição que a Bíblia nunca ensina.

A Bíblia ensina que o não-cristão é um pecador, e ao mesmo tempo ensina que ele carece da capacidade para obedecer a Deus. Isto significa que o homem é moralmente responsável, mesmo se lhe falta a capacidade moral; isto é, o homem deve obedecer a Deus mesmo se ele não o pode fazer. É pecaminoso para uma pessoa o desobedecer a Deus, tenha ele ou não a capacidade para agir de outra forma. Assim, a responsabilidade moral não é baseada na capacidade moral ou no livre-arbítrio; antes, a responsabilidade moral é baseada na soberania de Deus — o homem deve obedecer aos mandamentos de Deus porque Deus diz que o homem deve obedecer, e se ele tem ou não a capacidade para obedecer, é irrelevante.

Em primeiro lugar, o livre-arbítrio é logicamente impossível. Se descrevermos o exercício do livre-arbítrio como um movimento da mente em certa direção, a questão que se levanta é: o que move a mente e por que ele move a mente para onde ela é movida? Responder que o “eu” move a mente não responde a pergunta, visto que a mente é o eu, e, portanto, a mesma pergunta permanece.

Por que a mente se move numa direção ao invés de outra? Se pudermos traçar a causa de seus movimentos e direção aos fatores externos à própria mente, fatores que, eles mesmos, influenciam a consciência, e dessa forma, influenciam e determinam a decisão, então, como este movimento da mente é livre? Se pudermos traçar a causa às disposições inatas de uma pessoa, então, este movimento da vontade não é livre ainda, visto que, embora estas disposições inatas influenciem decisivamente a decisão, a própria pessoa não escolheu livremente estas disposições inatas em primeiro lugar.

O mesmo problema permanece se dissermos que as decisões de uma pessoa são determinadas por uma mistura de suas disposições inatas com as influências externas. Se a mente toma decisões baseadas em fatores não escolhidos pela mente, então, estas escolhas nunca são livres no sentido em que elas são feitas aparte do controle soberano de Deus — elas não são feitas livres de Deus. A Escritura ensina que Deus não somente exerce controle imediato sobre a mente do homem, mas Deus também determina absolutamente todas as disposições inatas e os fatores externos relacionados com a vontade do homem. É Deus quem forma uma pessoa no ventre, e é Ele quem arranja as circunstâncias externas pela Sua providência.

Portanto, embora possamos afirmar que o homem tem uma vontade como uma função da mente, de forma que a mente faz escolhas, estas nunca são escolhas livres, porque tudo o que tem a ver com cada decisão foi determinado por Deus. Visto que a vontade nunca é livre, nunca deveríamos usar a teodicéia do livre-arbítrio quando tratando do problema do mal.

A SOBERANIA DE DEUS

Muitos cristãos professos se sentem desconfortáveis com o ensino bíblico de que o homem não tem livre-arbítrio, visto que o mesmo parece fazer Deus “responsável” pela existência e continuação do mal. Assim, nesta seção, providenciaremos uma breve exposição do que a Escritura ensina sobre o assunto, mostrando que afirmar a Escritura é rejeitar o livre-arbítrio.

A Escritura ensina que a vontade de Deus determina todas as coisas. Nada existe ou acontece sem Deus, não meramente permitindo, mas ativamente desejando que exista ou aconteça:
Eu anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; Eu digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade (Isaías 46:10)
Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai (Mateus 10:29)
Deus controla não somente os eventos naturais, mas Ele controla também todos os assuntos e decisões humanas:
Bem-aventurado aquele a quem tu escolhes, e fazes chegar a ti, para que habite em teus átrios; nós seremos fartos da bondade da tua casa e do teu santo templo (Salmos 65:4)
O SENHOR fez tudo para seus próprios fins; sim, até o ímpio para o dia do mal (Provérbios 16:4)
O coração do homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR determina os seus passos (Provérbios 16:9)
Os passos do homem são dirigidos pelo SENHOR; como, pois, entenderá o homem o seu caminho? (Provérbios 20:24)
Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; Ele o inclina a todo o seu querer (Provérbios 21:1)
Visto que os seus dias estão determinados; tu tens decretado o número dos seus meses; e tu lhe puseste limites, e não passará além deles (Jó 14:5)
E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes? (Daniel 4:35)
Antes se despediu deles, e prometeu: Se Deus quiser, outra vez voltarei a vós. E navegou de Éfeso (Atos 18:21)
Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade (Filipenses 2:13)
Eia agora vós, que dizeis: Hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos; Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo (Tiago 4:13-15)
Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas (Apocalipse 4:11)
Se Deus realmente determina todos os eventos naturais e assuntos humanos, então, segue-se que Ele também decretou a existência do mal. Isto é o que a Bíblia explicitamente ensina:
E disse-lhe o SENHOR: Quem fez a boca do homem? ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o SENHOR? (Êxodo 4:11)
Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Porventura da boca do Altíssimo não sai tanto o mal como o bem? (Lamentações 3:37-38)
Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas (Isaías 45:7)
Tocar-se-á a trombeta na cidade, e o povo não estremecerá? Sucederá algum mal na cidade, sem que o SENHOR o tenha feito? (Amós 3:6)
O maior ato de maldade e injustiça moral na história humana é dito ter sido ativamente executado por Deus através dos Seus agentes secundários:
Todavia, foi da vontade do SENHOR esmagá-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará na sua mão (Isaías 53:10)
Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; Para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer (Atos 4:27-28)
Em todo caso, Deus decretou a morte de Cristo por uma boa razão, a saber, a redenção dos Seus eleitos. Da mesma forma, Seu decreto para a existência do mal é para um propósito digno de Sua glória. Os eleitos e os réprobos são ambos criados para esta razão:
Direi ao norte: Dá; e ao sul: Não retenhas. Trazei meus filhos de longe e minhas filhas das extremidades da terra — a todo aquele que é chamado pelo meu nome, e que criei para minha glória, e que formei e fiz. (Isaías 43:6-7)
Nele, digo, em quem também fomos escolhidos, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade; Com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo (Efésios 1:11-12)
E eu endurecerei o coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército, e saberão os egípcios que eu sou o SENHOR...(Êxodo 14:4)
Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra... E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; Para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou (Romanos 9:17, 22-23)
Baseados nas passagens acima, chegamos à seguinte conclusão: Deus controla tudo o que existe e tudo o que acontece. Não há nada que aconteça que Ele não tenha ativamente decretado — nem mesmo um simples pensamento na mente do homem. Visto que isto é verdadeiro, segue-se que Deus decretou a existência do mal; Ele não o permitiu meramente, como se algo pudesse se originar e acontecer aparte de Sua vontade e do Seu poder. Visto que temos mostrado que nenhuma criatura pode fazer decisões completamente independentes, o mal nunca poderia ter começado sem o decreto ativo de Deus, e não poderia continuar nem por um momento aparte da vontade de Deus. Deus decretou o mal, no final das contas, para a Sua própria glória, embora não seja necessário conhecer ou declarar esta razão para defender o Cristianismo do problema do mal.

Todavia, aqueles que vêem que é completamente impossível desassociar Deus da origem e continuação do mal, tentam distanciar Deus do mal dizendo que Deus meramente “permitiu” o mal, e que Ele não causou nada dele. Contudo, visto que a própria Escritura declara que Deus ativamente decretou tudo, e que nada pode acontecer aparte da Sua vontade e do Seu poder, não faz sentido dizer que Ele meramente permite algo — nada acontece por mera permissão de Deus.

Visto que “nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17:28), num nível metafísico, é absolutamente impossível fazer algo em independência de Deus. Sem Ele, uma pessoa não pode nem mesmo pensar ou se mover. Como, então, o mal pode ser tramado e cometido em total independência dEle? Como alguém pode ao menos pensar o mal, aparte da vontade e do propósito de Deus? Ao invés de tentar “proteger” Deus de algo que Ele não precisa ser protegido, deveríamos reconhecer alegremente com a Bíblia que Deus decretou ativamente o mal, e então, tratar com o assunto sobre esta base.

O censo de Israel realizado por Davi fornece um exemplo do mal decretado por Deus e realizado através dos agentes secundários:
E a ira do SENHOR se tornou a acender contra Israel; e incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, numera a Israel e a Judá (2Samuel 24:1)
Então Satanás se levantou contra Israel, e incitou Davi a numerar Israel (1Crônicas 21:1)
Os dois versos referem-se ao mesmo incidente. Não há contradição se a visão que está aqui sendo apresentada é verdadeira. Deus decretou que Davi pecaria fazendo o censo, mas Ele fez com que Satanás realizasse a tentação como um agente secundário.[3] Mais tarde, Deus puniu Davi por cometer este pecado:
E pesou o coração de Davi, depois de haver numerado o povo; e disse Davi ao SENHOR: Muito pequei no que fiz; porém agora ó SENHOR, peço-te que perdoes a iniquidade do teu servo; porque tenho procedido mui loucamente. Levantando-se, pois, Davi pela manhã, veio a palavra do SENHOR ao profeta Gade, vidente de Davi, dizendo: Vai, e dize a Davi: Assim diz o SENHOR: Três coisas te ofereço; escolhe uma delas, para que ta faça. Foi, pois, Gade a Davi, e fez-lho saber; e disse-lhe: Queres que sete anos de fome te venham à tua terra; ou que por três meses fujas de teus inimigos, e eles te persigam; ou que por três dias haja peste na tua terra? Delibera agora, e vê que resposta hei de dar ao que me enviou. Então disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; porém caiamos nas mãos do SENHOR, porque muitas são as suas misericórdias; mas nas mãos dos homens não caia eu (2 Samuel 24:10-14)
Embora o mal do qual estamos falando seja deveras negativo, o fim último, que é a glória de Deus, é positivo. Deus é o único que possui dignidade intrínseca, e se Ele decide que a existência do mal irá servir, no final das contas, para glorificá-lo, então, o decreto é, por definição, bom e justificável. Alguém que pensa que a glória de Deus não é digna da morte e sofrimento de bilhões de pessoas tem uma opinião muito alta de si mesmo e da humanidade. A dignidade de uma pessoa pode ser derivada somente do Seu criador ou lhe dada por Ele, e à luz do propósito para o qual o Criador lhe fez. Visto que Deus é o único padrão de medida, se Ele pensa que algo é justificável, então, este é, por definição, justificável. Os cristãos não deveriam ter problemas em afirmar tudo isto, e aqueles que acham difícil aceitar o que a Escritura explicitamente ensina, deveriam reconsiderar seu compromisso espiritual, para ver se eles estão verdadeiramente na fé.

Muitas pessoas contestarão o direito e a justiça de Deus em decretar a existência do mal para a Sua própria glória e propósito. Ao discutir a divina eleição, na qual Deus escolhe alguns para salvação e condena todos os outros, Paulo antecipa uma objeção similar, e escreve:
Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? (Romanos 9:19-21)

Efetivamente, Paulo está dizendo, “Certamente o Criador tem o direito de fazer o que Ele quiser com as Suas criaturas. E, em primeiro lugar, quem é você para fazer tal objeção?” Alguns objetam que o homem é maior do que um “pedaço de barro”; eu até mesmo já vi um escritor cristão professo fazer esta fútil objeção. Primeiro, esta é uma analogia bíblica, e um cristão verdadeiro não irá contestá-la. Mas se alguém contestá-la, então, o debate se torna um sobre a infabilidade bíblica, que deve ser resolvido primeiro, antes de se retornar a esta analogia. Visto que eu tenho estabelecido a infabilidade bíblica em outro lugar, a negação da infabilidade bíblica não é uma opção aqui. Segundo, se um homem é mais do que um pedaço de barro, então, Deus também é algo mais do que um oleiro — Ele é infinitamente maior do que um oleiro. A analogia é apropriada quando entendemo-la dizer o que ela significa, isto é, Deus como Criador tem o direito de fazer o que Ele quiser com as Suas criaturas. “Portanto, Deus tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece” (Romanos 9:18).

Para uma pessoa ter dificuldade em aceitar que Deus decretou a existência do mal implica que ele encontra algo “errado” em Deus fazer tal decreto. Contudo, qual é o padrão de certo e errado pelo qual esta pessoa julga as ações de Deus? Se há um padrão moral superior a Deus, ao qual o próprio Deus é responsável, e pelo qual o próprio Deus é julgado, então, este “Deus” não é Deus de forma alguma; antes, este padrão maior seria Deus. Contudo, o conceito cristão de Deus refere-se ao mais alto ser e padrão, assim, não há, por definição, nenhum mais alto. Em outras palavras, se há algo mais alto do que o “Deus” que uma pessoa está argumentando contra, então, esta pessoa não está realmente se referindo ao Deus cristão. Visto que este é o caso, não há padrão mais alto do que Deus, ao qual o próprio Deus seja responsável e pelo qual o próprio Deus seja julgado. Portanto, é logicamente impossível acusar Deus de fazer algo moralmente errado.

Jesus diz que somente Deus é bom (Lucas 18:19), de forma que toda “bondade” em outras coisas pode ser somente derivada. A natureza de Deus define a própria bondade, e visto que nEle “não há mudança nem sombra de variação” (Tiago 1:17), Ele é o único e constante padrão de bondade. Não importa quão moral eu seja, ninguém pode me considerar o padrão objetivo de bondade, visto que a palavra “moral” não tem sentido, a menos que seja usada com relação ao caráter de Deus. Isto é, quão “moral” uma pessoa é refere-se ao grau de conformidade de seu caráter com o caráter de Deus. Ao grau em que uma pessoa pensa e age de acordo com natureza e os mandamentos de Deus, ele é moral. Diferentemente, não há diferença moral entre altruísmo e egoísmo; virtude e vício são conceitos sem significados; estrupo e assassinato não são crimes, mas eventos amorais.

Contudo, visto que Deus chama a Si mesmo de bom, e visto que Deus definiu a bondade para nós revelando Sua natureza e bondade, o mal é, dessa forma, definido como algo que é contrário à Sua natureza e aos Seus mandamentos. Visto que Deus é bom, e visto que Ele é a única definição de bondade, é bom também que Ele tenha decretado a existência do mal. Não há padrão de bom e mal pelo qual possamos denunciar Seu decreto como errado ou mal. Não estamos afirmando que o mal é bom — o que seria uma contradição — mas, estamos dizendo que o decreto de Deus para a existência do mal é bom.

Hebreus 6:13 diz, “Quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo”. Em outras palavras, não há ninguém a quem Deus precise prestar contas, e não há corte a qual alguém possa arrastá-lo para lançar acusações contra Ele. Ninguém julga Deus; antes, toda pessoa é julgada por Ele. Outras passagens bíblicas relevantes incluem as seguintes:
Se quiser contender com ele, nem a uma de mil coisas lhe poderá responder. Ele é sábio de coração, e forte em poder; quem se endureceu contra ele, e teve paz? Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e o que os transtorna no seu furor. O que sacode a terra do seu lugar, e as suas colunas estremecem. O que fala ao sol, e ele não nasce, e sela as estrelas. O que sozinho estende os céus, e anda sobre os altos do mar. O que fez a Ursa, o Órion, e o Sete-estrelo, e as recâmaras do sul. O que faz coisas grandes e inescrutáveis; e maravilhas sem número. Eis que ele passa por diante de mim, e não o vejo; e torna a passar perante mim, e não o sinto. Eis que arrebata a presa; quem lha fará restituir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes? (Jó 9:3-12)
Porventura o contender contra o Todo-Poderoso é sabedoria? Quem argui assim a Deus, responda por isso. Então Jó respondeu ao SENHOR, dizendo: Eis que sou vil; que te responderia eu? A minha mão ponho à boca. Uma vez tenho falado, e não replicarei; ou ainda duas vezes, porém não prosseguirei. Então o SENHOR respondeu a Jó de um redemoinho, dizendo: Cinge agora os teus lombos como homem; eu te perguntarei, e tu me explicarás. Cinge agora os teus lombos como homem; eu te perguntarei, e tu me explicarás (Jó 40:2-8)
Ai daquele que contende com o seu Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou a tua obra: Não tens mãos? Ai daquele que diz ao pai: Que é o que geras? E à mulher: Que dás tu à luz? Assim diz o SENHOR, o Santo de Israel, aquele que o formou: Perguntai-me as coisas futuras; demandai-me acerca de meus filhos, e acerca da obra das minhas mãos (Isaías 45:9-11)
Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Romanos 11:33-36)

Visto que derivamos nosso próprio conceito e definição de bondade à partir de Deus, acusá-lo de maldade seria como dizer que o bom é mal, o que é uma contradição.


A SOLUÇÃO

Tendo demolido a popular, porém irracional e anti-bíblica, defesa do livre-arbítrio, examinaremos agora a resposta bíblica ao problema do mal. Repitamos primeiro o argumento dos incrédulos:

1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.
2. Se Ele é todo-poderoso, então Ele é capaz de acabar com todo mal.
3. Se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com todo mal.
4. Mas o mal ainda existe.
5. Portanto, o Deus cristão não existe.[4]

O argumento encontra um obstáculo insuperável quando chegamos na premissa (3), a saber, o não-cristão não pode encontrar uma definição de amor que sustente esta premissa sem destruir o argumento. Isto é, por qual definição de amor sabemos que um Deus todo-amoroso desejaria destruir o mal? Ou, por qual definição de amor sabemos que um Deus todo-amoroso já teria destruído o mal?

Se esta definição de amor vem de fora da Bíblia, então, por que a cosmovisão bíblica tem que respondê-la? Formar um argumento usando uma definição não-bíblica de amor seria fazer o argumento irrelevante como um desafio ao Cristianismo. Por outro lado, se tomamos a definição de amor da Bíblia, então, aquele que usa este argumento deve mostrar que a própria Bíblia define amor de uma forma que requer um Deus todo-amoroso destruir o mal, ou já ter destruído o mal. A menos que o não-cristão possa defender com sucesso a premissa (3), o argumento do problema do mal falha antes mesmo de terminarmos de lê-lo.

Agora, se o não-cristão usa uma definição não-bíblica de amor na premissa (1), então, o argumento é uma falácia enganadora desde o início. Mas se o não-cristão usa a definição bíblica de amor na premissa (1), e então substitui por uma definição não-bíblica de amor na premissa (3), então, ele comete a falácia do equívoco. Se é assim, então o máximo que seu argumento pode fazer é apontar que ele tem uma definição não-bíblica de amor, mas seria completamente irrelevante como um desafio ao Cristianismo.

Por outro lado, se ele tenta usar a definição bíblica de amor, então, para seu argumento ser relevante, a própria Escritura teria que definir amor de uma maneira que requeira Deus destruir o mal, ou já ter destruído o mal. Contudo, embora a Escritura ensine que Deus é amoroso, ela também ensina que existe mal no mundo, e que este mal está, no final das contas, debaixo do controle completo e soberano de Deus. Portanto, a própria Escritura nega que haja qualquer relação entre o amor de Deus e a existência do mal.

Para o argumento do problema do mal permanecer, o não-cristão deve estabelecer a premissa, “O amor de Deus contradiz a existência do mal”, ou algo com este efeito. Mas a própria Escritura não afirma esta premissa, e se o não-cristão tentar argumentar esta premissa com definições de amor e mal encontradas em sua própria cosmovisão não-bíblica, então, tudo que ele consegue é mostrar que a cosmovisão bíblica é diferente da cosmovisão não-bíblica. Nós já sabemos isto, mas, o que acontece com o problema do mal? O não-cristão aponta para o ensino escriturístico sobre o amor de Deus, então, contrabandeia uma definição não-bíblica de amor que requer que Deus destrua o mal, e depois disto, estupidamente se vanglória da “contradição” que ele produziu.

Se uma pessoa quer desafiar a Bíblia ou sustentar a Bíblia por causa do que ela diz, então ela deve primeiro definir os próprios termos dela; de outra forma, ele pode somente desafiar o que a Bíblia não diz, o que faz a objeção irrelevante. O não-cristão deve demonstrar porque o amor de Deus necessariamente implica que Ele deve ou que Ele deseje destruir o mal, ou que ele necessariamente implica que Ele deveria ou que Ele desejaria ter já destruído o mal.

Responder algo como, “Porque um Deus amoroso desejaria aliviar o sofrimento”, não ajudaria em nada, visto que esta resposta apenas declara novamente a premissa em diferentes palavras, de forma que a mesma pergunta permanece. Por que um Deus amoroso deseja aliviar o sofrimento? Em primeiro lugar, como alguém define o sofrimento? Se o não-cristão não pode definir amor ou sofrimento, ou se ele não pode logicamente impor suas definições sobre o cristão, então sua premissa equivale a dizer que um Deus com um atributo indefinido X deve desejar destruir ou ter destruído um Y indefinido. Mas se ele não pode definir nem X e nem Y, então, ele não tem premissa inteligível sobre a qual construir um argumento inteligível contra o Cristianismo.

Outro tipo de resposta pode dizer, “Porque Deus queria triunfar sobre o mal”. Novamente, qual é a definição de “triunfar”? Se o próprio Deus é a causa última do mal, e se Deus exerce total e constante controle sobre ele, então, em que sentido Ele estaria “perdendo” do mal? Assim, seja o que for que um não-cristão diga, ele encontra o mesmo problema, e é impossível para ele estabelecer que o amor de Deus contradiz a existência do mal.

Antes, visto que a Bíblia ensina tanto sobre o amor de Deus como sobre a realidade do sofrimento, é legítimo concluir que, da perspectiva bíblica, o amor de Deus não implica necessariamente que Ele deva destruir o mal, ou que Ele deveria já o ter destruído. Certamente, isto não pode ser assim à partir de uma perspectiva não-bíblica, mas novamente, isto somente mostra que a cosmovisão bíblica diverge das cosmovisões não-bíblicas, o que já sabemos, e que é a razão do debate. Mas o não-cristão ainda não nos deu uma objeção real e inteligível.

Enquanto o não-cristão falhar em estabelecer a premissa (3), que o amor de Deus contradiz a existência do mal, o cristão não está sob a obrigação de tomar seriamente o problema do mal como um argumento contra o Cristianismo. De fato, visto que o não-cristão falha em definir alguns dos termos-chave, ninguém pode logicamente sequer entender o argumento — não há argumento, e não há real objeção à resposta.

Se pararmos aqui, já teremos refutado o assim chamado problema do mal, tendo mostrado que não há tal problema de maneira alguma. Contudo, apenas para a discussão continuar, aceitaremos a premissa por ora; isto é, por causa do argumento, assumiremos que o amor de Deus, de alguma forma, contradiz a existência do mal, enquanto guardamos em mente que isto é algo que a Escritura nunca ensina, e que os não-cristãos nunca estabeleceram.

Agora, os não-cristãos argumentam que, dado a existência existência do mal, o Deus cristão não pode logicamente existir. Em resposta, já mostramos que o não-cristão não pode estabelecer a premissa de que um Deus todo-amoroso deve necessariamente destruir ou desejar destruir o mal. Tendo dito isto, procedemos agora para apontar que as premissas do argumento não levam necessariamente à conclusão do não-cristão em primeiro lugar; antes, muitas conclusões diferentes são possíveis:

1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.
2. Se Ele é todo-poderoso, então Ele é capaz de acabar com todo mal.
3. Se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com todo mal.
4. Mas o mal ainda existe.
5. Portanto, Deus tem um bom propósito para o mal.

1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.
2. Se Ele é todo-poderoso, então Ele é capaz de acabar com todo mal.
3. Se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com todo mal.
4. Mas o mal ainda existe.
5. Portanto, Deus eventualmente destruirá o mal.

Sem declarar imediatamente se pensamos que os argumentos acima são validos ou inválidos, o ponto é que num argumento válido, as premissas devem necessária e inevitavelmente conduzir à conclusão. Contudo, no argumento do problema do mal, as premissas, de forma alguma, conduz necessária e inevitavelmente à conclusão. Portanto, o argumento do problema do mal é inválido.

Ao invés de usar a realidade do mal para negar a existência de Deus, as duas versões revisadas acima chegam a duas conclusões diferentes. Novamente, eu não disse se estas duas versões revisadas são bons argumentos, e não disse que as premissas necessária e inevitavelmente levam a estas duas conclusões; antes, tudo que estou tentando mostrar é que as premissas não levam necessária e inevitavelmente à conclusão do não-cristão, e isto é suficiente para mostrar que seu argumento é inválido.

Alguns não-cristãos dizem que se os cristãos reivindicam que Deus tem um bom propósito para o mal, então os cristãos devem também declarar e defender este propósito. Contudo, os não-cristãos nunca foram capazes de mostrar o porque os cristãos devem declarar e defender este propósito. O debate é sobre se as premissas dadas levam, necessária e inevitavelmente, à conclusão do não-cristão. Se há ou não um bom propósito para o mal, e se os cristãos podem ou não declarar e defender este propósito, é completamente irrelevante. A Escritura deveras explica pelo menos uma parte do propósito de Deus para o mal, mas novamente, ele não é logicamente necessário ou relevante para o debate.

Há mais. Agora, o não-cristão argumenta que Deus não existe porque o mal existe, e através desde ponto já refutamos o argumento. Contudo, podemos adicionar que a existência do Deu cristão é, de fato, o pré-requisito lógico para a existência do mal. Isto é, o mal não tem sentido e é indefinido sem um padrão objetivo e absoluto de certo e errado, de bom e mal, e este padrão pode ser somente o Deus cristão.

Quando o não-cristão afirma que o mal existe, o que ele quer dizer por “mal”? Ele pode estar se referindo a avareza, ódio, assassinato, estrupo, terremoto, enchentes e coisas semelhantes. Contudo, sobre que base e por qual padrão ele pode chamar estas coisas de males? Ele chama estas coisas de males simplesmente porque ele as desaprova? Qualquer definição ou padrão de mal que ele dê sem apelar ao Deus cristão e a Escritura cristã não serão bem-sucedidos e será facilmente desmoronado.

Por exemplo, se o não-cristão reivindica que o assassinato é errado porque ele viola o direito à vida da vítima, precisamos somente perguntar porque a vítima tem algum direito à vida. Quem lhe deu este assim chamado direito? O não-cristão? Quem disse que há algo como um direito, em primeiro lugar? Os não-cristãos tentam muitos argumentos, mas todos eles têm sido expostos como tolos e injustificáveis. [5]

Por outro lado, o cristão afirma que o assassinato é errado, imoral e mal, porque Deus proíbe o assassinato: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem” (Gênesis 9:6); Deus explicitamente o desaprova quando Ele diz, “Não matarás” (Êxodo 20:13). É consistente com a cosmovisão cristã dizer que o assassinato é mal e que o assassino deve ser responsabilizado pelo acontecido, mas o não-cristão nunca pode justificar a mesma reivindicação. Ele não pode nem mesmo definir autoritariamente o assassinato. [6]

O não-cristão reivindica que o mal existe, e à partir desta base avalia o que o Cristianismo diz sobre Deus. Ele usa algo que ele reivindica ser óbvio para refutar algo que ele reivindica não ser óbvio. Contudo, a existência do mal não é óbvia, de forma alguma, a menos que haja um padrão moral absoluto, objetivo e universal, e que conheçamos de certo modo este padrão, de forma que possamos fazer avaliações com ele. Visto que o não-cristão falha em estabelecer tal padrão, e visto que ele falha em estabelecer como conheceremos tal padrão, suas referências ao mal são sem sentido e ininteligíveis, e seus argumentos à partir do problema do mal não têm efeito contra o Cristianismo. De fato, sobre a base de sua cosmovisão, ele nem sequer sabe o que seus próprios argumentos significam.

Se uma pessoa nega a existência de Deus, ele não tem base racional para afirmar a existência do mal; por necessidade lógica, nosso reconhecimento de Deus precede nosso reconhecimento do mal. A menos que o Deus cristão seja pressuposto de antemão, o mal continua indefinido. Quando o não-cristão argumenta contra o Cristianismo usando o problema do mal, ele se torna um terrorista intelectual, de forma que ele seqüestra o absoluto moral do Cristianismo no processo de argumentar contra o Cristianismo. Contudo, ele não pode se referir a qualquer mal natural ou moral sem implicitamente reconhecer um padrão pelo qual julga algo como mal. Se ele reconhece a existência do mal, então, ele deve primeiro reconhecer a existência de Deus, mas se ele já reconhece a existência de Deus, então, o argumento à partir do problema do mal não tem sentido.

Certamente, o não-cristão não pode se render imediatamente a este ponto; antes, ele provavelmente tentará oferecer alguma definição viável do mal para recuperar seu argumento. Eu não posso providenciar as definições possíveis que ele pode tentar propor, mas eu providenciei informação suficiente aqui, de forma que qualquer pessoa pode refutar qualquer definição não-cristã proposta. Se o cristão consistentemente demandar justificação para toda reivindicação e definição não-cristã, ele sempre frustará de forma sucedida qualquer tentativa de construir um argumento contra o Cristianismo à partir da existência do mal.[7]

Alguns não-cristãos têm chegado a perceber que o argumento à partir do problema do mal não é estritamente válido, de forma que, embora eles continuem desafiando o Cristianismo baseados na existência do mal, eles têm “suavizado” sua reivindicação. Isto é, eles dizem que, embora a existência do mal não contradiga logicamente a existência de Deus, a existência do mal pelo menos provê uma forte evidência contra a existência de Deus, ou a probabilidade da existência de Deus. Assim, ao invés de chamar sua reivindicação de um caso lógico contra a existência de Deus, eles chamam-no de um caso evidencial contra a existência de Deus.[8]

Mas isto não tem sentido — é apenas um modo enganador de dizer que eles não tem nenhum argumento. De fato, todos os problemas que eu apontei com o caso “lógico” permanecem no caso “evidencial”. O argumento ainda falha em estabelecer que o amor de Deus contradiz a existência do mal, ou que o amor de Deus requer que Ele destrua o mal, ou já ter destruído o mal. Ele ainda falha em definir os termos cruciais. O que é amor? O que é mal? De fato, o argumento levanta questões piores ao adicionar o conceito de “evidência” ao debate, visto que agora eu demando diversas coisas adicionais: uma definição de evidência, um padrão para determinar o que constitui evidência em favor ou contra algo, um padrão para determinar a relevância e a força de qualquer evidência alegada, e uma epistemologia para descobrir as coisas que são usadas como evidência.

Junto com o caso “evidencial”, algumas pessoas incluem a reivindicação de que há muito mal “gratuito”, e que isto é evidência contra a existência de Deus. Mas novamente, o que é evidência? E quem decide o que é “gratuito”? [9] Por qual padrão de necessidade decidimos que um evento mal é desnecessário? E desnecessário para o que? E porque ele deve ser necessário em primeiro lugar? Na cosmovisão bíblica, quando Deus faz algo, isto é justificado, por definição, simplesmente porque Ele decidiu assim fazer. Assim, o não-cristão não pode argumentar contra Cristianismo apelando aos eventos “injustificáveis”, visto que ele deve primeiro refutar o Cristianismo antes que ele possa mostrar que estes eventos são injustificáveis.


OUTRAS COSMOVISÕES

Não há razão para longas explanações ou repetições inúteis, visto que o assunto é deveras tão simples como parece ser. O argumento à partir do problema do mal, em algumas formas, é um dos argumentos mais irracionais já inventados, mas ele tem enganado e perturbado muitas pessoas por causa de seu apelo emocional. Em resposta, o cristão deve não somente neutralizar o argumento, mas ele deve tomar a posição ofensiva sobre este tópico contra o não-cristão.

Talvez porque o problema do mal seja mais freqüentemente usado para desafiar o Cristianismo, muitas pessoas esquecem de considerar se as cosmovisões e religiões não-cristãs têm, adequada e coerentemente, respondido à existência de mal. Os não-cristãos fornecem uma definição autoritativa do mal? Sua definição de mal contradiz o que eles reivindicam sobre a física (mal natural) e a psicologia (mal moral)? Eles podem explicar como e porque o mal começa e continua? Eles podem sugerir uma solução para o mal, e podem garantir que esta solução será bem sucedida? Nenhuma cosmovisão, exceto a fé cristã, pode sequer começar a responder estas questões.

Da próxima vez que um não-cristão desafiá-lo com o problema do mal, ao invés de ser pressionado no canto, você deve ser capaz de dar uma resposta irrefutável, e então tomar a ofensiva e virar o argumento contra o não-cristão (2Coríntios 10:5):
“Eu sou capaz de mostrar que a existência do mal não contradiz o amor de Deus ou a existência de Deus. De fato, o próprio conceito de mal pressupõe a existência do Deus cristão. Este Deus decretou a existência do mal para Sua própria glória, e cada aspecto e ocorrência do mal está debaixo do Seu preciso controle, não há padrão mais alto do que Deus para julgar este decreto como errado. Um dia Ele banirá todos pecadores para os tormentos sem fim no inferno, de forma que cada ocorrência de assassinato, roubo, estrupo e até mesmo cada palavra que um homem tenha proferido, será julgada. Ele então punirá justamente todos pecadores que não creram em Cristo para salvação, mas Seus escolhidos certamente serão salvos.
Mas, como você trata com o mal? Dada sua cosmovisão, como você pode sequer ter um conceito significante e universal do mal? Como você explica sua origem e continuação? Você pode oferecer uma solução eficaz ou até mesmo segura para desmoronar o mal? Você pode apresentar as razões universalmente aplicáveis e obrigatórias contra tais coisas como genocídio e racismo? Como sua cosmovisão faz demandas morais sobre alguém que não a subscreve? Dada sua cosmovisão, há justiça final e perfeita para alguém? Se não, qual é sua solução ou explanação para isso? Como você pode definir justiça em primeiro lugar? Porque uma pessoa de outra nação ou cultura deve reconhecer seus assim chamados direitos?
Se você não pode dar respostas adequadas a estas e milhares de outras perguntas sobre a base de sua cosmovisão e comprometimentos intelectuais sem auto-contradição, então, é evidente que a existência do mal significa a destruição de sua cosmovisão, enquanto que ela não coloca nenhuma ameaça contra a minha, de forma alguma. Você é um hipócrita se sequer mencionar o problema do mal como uma objeção ao Cristianismo”.

Embora muitas pessoas gostem de desafiar os cristãos com o problema do mal, a verdade é que o Cristianismo é a única cosmovisão na qual a existência do mal não cria um problema lógico. Todavia, muitos cristãos professos são intimidados pelos argumentos não-cristãos. Isto é parcialmente porque eles não aprenderam as refutações lógicas a estes argumentos, mas também porque eles algumas vezes concordam com os não-cristãos, pelo menos no nível emocional. Mas certamente, apenas porque algo causa um distúrbio emocional em algumas pessoas, não significa que cause algum desafio à própria fé cristã.

Agora, se o não-cristão é tão perturbado sobre a existência do mal, ele pode sempre perguntar a um cristão sobre como depender de Cristo para salvação; de outra forma, ele pode se submeter a um departamento de psiquiatria, onde ele pode continuar miserável sob o cuidado profissional. Quanto aos cristãos, a Escritura fornece a solução: “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti” (Isaías 26:3). Salmos 73:16-17 diz, “Quando pensava em entender isto, foi para mim muito doloroso; até que entrei no santuário de Deus; então entendi eu o fim deles”. Somente aceitando a cosmovisão cristã uma pessoa pode chegar a uma posição racional sobre a existência do mal, e somente entrando no “santuário de Deus” o assunto pode parar de ser “opressivo”. Somente aqueles que são trazidos para perto de Deus podem entender suficientemente a realidade do mal e reter a estabilidade emocional. A fé cristã é verdadeira e é o único caminho para Deus e a salvação. Ela é imune aos ataques intelectuais. Ela não pode ser desafiada com sucesso, mas somente estudada e obedecida.


NOTAS:

1 - Às vezes o argumento inclui o fato de que os cristãos afirmam que Deus é também onisciente (conhece tudo) — se Deus conhece tudo, então, Ele sabe como destruir o mal.

2 - A doutrina do “livre-arbítrio” é anti-bíblica e herética, e alguns têm seguido a doutrina até o seu próximo passo lógico, ao dizer que se o homem é verdadeiramente livre, então Deus não pode realmente saber com certeza o que o homem fará, negando dessa forma a onisciência de Deus. Contudo, ainda assim, Deus saberia que é possível para o livre-arbítrio produzir males extremos e horrendos, de forma que o mesmo problema permanece.

3 - O próprio Satanás é uma criatura, e, portanto, não tem livre-arbítrio. Todas suas ações e decisões são controladas por Deus.

4 - Certamente, pessoas diferentes podem apresentar formulações diferentes do problema do mal, mas minha refutação se aplicará a todas elas.

5 - Para mais informações, vejam meus escritos sobre apologéticas e éticas.

6 - Por exemplo, o não-cristão nunca justifica, ao definir o assassinato, a inclusão da matança de humanos mas a exclusão da matança de bactérias. Certamente, alguns advogados dos direitos dos animais consideram assassinato o massacrar animais, mas não bactérias; contudo, eles nunca justificam a inclusão dos animais ou a exclusão das bactérias.

7 - O argumento se tornará, no final das contas, um amplo debate pressuposicional. Para mais informação sobre isto, veja meu livro Presuppositional Confrontations.

8 - Algumas pessoas usam diferentes termos para fazer esta mesma distinção.

9 - Sobre este ponto, até mesmo alguns filósofos profissionais inclinam-se a um apelo à opinião popular. Isto é, eles reivindicam que “todo mundo” sabe que certas coisas são más, e que certas coisas são males gratuitos. Em outro contexto, estes mesmos filósofos criticariam tal apelo à opinião popular para estabelecer uma premissa essencial — que eles se utilizam desta tática aqui, me mostra que eles são estúpidos e desesperados. A resposta mais óbvia é que é falacioso pensar que algo é verdadeiro apenas porque muitos ou mesmo a maioria das pessoas pensam que seja verdadeiro.

Alguns filósofos argumentam que se a maioria das pessoas pensa que há males gratuitos, então, o peso da prova cai sobre o cristão, para o mesmo mostrar que não há males gratuitos. Embora eu discorde que o peso da prova caia sobre mim simplesmente porque eu nego a opinião popular, mesmo se caísse, eu tenho mostrado que qualquer mal que Deus decrete é justificável por definição, de forma que o peso da prova retorna ao não-cristão, que deve refutar este ponto particular ou refutar o Cristianismo como um todo, e então o foco do debate de torna um pressuposicional (veja meu livro Presuppositional Confrontations).

Além do mais, mesmo que o apelo à opinião popular fosse legítimo (embora eu negue isto), eu demando provas de que realmente a opinião popular seja a de que existem males gratuitos. Como o não-cristão pode estabelecer esta reivindicação? Mesmo se ele pudesse realizar uma pesquisa empírica global, eu já refutei o empirismo em outro lugar. Se ele não pode fazer isto, então ele deve mostrar também que, desde a origem da humanidade, tem sido a opinião popular que há males gratuitos. Ele deve provar também que esta continuará a ser a opinião popular em todas as gerações futuras. Se ele falha em fazer isto, então, eu não tenho razão para aceitar sua reivindicação de que “todo mundo sabe” que existe o mal ou o mal gratuito. Ele pensa que “todo mundo sabe”, mas ele não sabe que “todo mundo sabe”; esta é sua opinião pessoal sobre a opinião popular.



Autor: Vincent Cheung
Fonte: www.monergismo.com